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Brasília
Moramos em um país tropical, “abençoado por natureza”, mas nunca podemos apenas exclamar “que beleza” – e “cruzar os braços” ou “deitar na rede”. No passado, a criação (e a defesa) de instituições nacionais, como a Embrapa/IAC, Embraer/ITA, Petrobrás, Eletrobrás, Embratel, BNDES, Banco do Brasil, Caixa, etc., foram fundamentais, em conjunto com políticas públicas acertadas, para a emergência da economia brasileira. Brevemente, ela deverá obter o quinto maior PIB (Produto Interno Bruto) na economia mundial.
Economista estrangeiro indagou a seus colegas desenvolvimentistas brasileiros: por que marcas brasileiras não alcançaram sucesso internacional, como as asiáticas, na “fase da indústria nascente”, isto é, pré-1980? De fato, as ações com maior negociação, na Bolsa de Valores, eram de empresas estatais, configurando o arranjo do “tripé” empresarial. As estatais forneciam suporte e insumos básicos tanto às nacionais privadas quanto às estrangeiras que aqui se instalaram, por exemplo, na indústria automobilística. Esse sintoma evidencia também que o modelo brasileiro não se estabeleceu como “export led”, conduzido por exportação, como o modelo asiático, mas sim como “domestic led”, ou seja, direcionado para o mercado interno. As grandes “marcas brasileiras”, além das estatais, foram as de grandes empreiteiras de obras públicas e as dos bancos gigantes. Ambos setores detinham reserva do mercado nacional e obtinham lucro acima do ritmo da inflação. Hoje, com a apreciação da moeda nacional, a melhoria dos fundamentos da economia brasileira, e a crise europeia, os valores de mercado das ações dos grandes bancos brasileiros superaram as dos grandes bancos europeus. Enganam-se aqueles que criticam a “primarização” da pauta de exportação, como estivéssemos passando por “desindustrialização” e voltando ao modelo primário-exportador predominante na “era do café”. Na verdade, a indústria se volta para o mercado interno, em fase que o Brasil está se tornando o maior produtor mundial de alimentos, e um dos maiores exportadores, com pauta diversificada tanto em número de produtos como de destinos. São multiprodutos que se beneficiam, atualmente, da “inflação de commodities”, cujos preços são cotados no exterior. Por exemplo, na polêmica a respeito de se o País deveria exportar minério de ferro (terceiro maior produtor e segundo maior exportador) ou aço (nono maior produtor e décimo-terceiro exportador), na verdade, não se trata de decisão autônoma. Na configuração atual de crise mundial, a demanda asiática por minério de ferro, especialmente da China, é oportunidade. Não se dispõe de mercado para a exportação de aço. Assim, sua produção se volta para atender à demanda interna, como a da construção civil e a da indústria automobilística. Portanto, a queda da demanda externa líquida, após 2006, e o aumento relativo da exportação de produtos básicos, após 2007, não foram causados por “doença holandesa”, isto é, sintoma crônico de taxa de câmbio corrente abaixo da que equilibraria a indústria exportadora. A apreciação da moeda nacional tem relação com a disparidade de juros e a especulação no mercado cambial desfavoráveis, e a paridade de preços (e produtividade) e o ritmo de crescimento de outras economias, principalmente, China e Índia, favoráveis. O influxo de dólares oscila entre a conta comercial ou a conta de capital do balanço de pagamentos, mas ambos superávits levam à apreciação da moeda nacional. Na verdade, a depreciação do dólar é fenômeno mundial e a “doença holandesa” não contagiou todo o mundo. Os doutores-economistas estão tomando um sintoma comum de problemas diversos, isto é, a apreciação monetária, como diagnóstico dessa “doença crônica”. Estão antecipando receita para “doença” que é apenas uma possibilidade de surgir no futuro se houver forte exportação do petróleo extraído da camada pré-sal em águas profundas. O problema desse equívoco é que a receita pode curar a doença matando o paciente! Em vez de defender o gradualismo com políticas macroeconômicas estruturalistas de longo prazo, como política comercial externa, política industrial, educacional, científico-tecnológica, social, de financiamento, etc., sugerem overdose de políticas econômicas de curto prazo. O tratamento de choque via política monetária e política fiscal levaria à depressão, e depois o choque cambial elevaria a taxa de inflação e provocaria a reação do Banco Central do Brasil com choque de juros, voltando ao círculo vicioso estagnante. Nesta nova conjuntura de crise internacional e “guerra cambial”, não se pode continuar com a mesma receita pregada antes. Choque cambial – choque inflacionário – queda de salário real, tudo levaria à contração do mercado interno, quando ele se tornou um trunfo em escala mundial. Os economistas desenvolvimentistas deveriam sim defender, novamente, o “desarrolho hacia adentro” ou o “domestic led”. O protecionismo voltou à ordem do dia, embora não seja o desejável em escala mundial. Fernando Nogueira da Costa
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Outra reportagem de Sergio Lamucci (Valor, 16/08/2011) sobre o seminário do Centro Celso Furtado na Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo entrevistou economistas estrangeiros desenvolvimentistas. Irei acrescentar a suas falas meus comentários, baseados em anotações realizadas durante suas exposições.
Esses economistas desenvolvimentistas traçaram o diagnóstico de que os países desenvolvidos devem enfrentar longo período de estagnação econômica, no cenário em que Estados Unidos e Europa deixam os estímulos fiscais em segundo plano, os salários não acompanham a evolução da produtividade e a política monetária pouco afeta a atividade. Consideram mais provável um quadro de vários anos de baixo crescimento do que uma ruptura como a que sucedeu a quebra do Lehman Brothers, em setembro de 2008. A era de inflação nos preços de commodities tende a ficar para trás, afetando o Brasil, grande exportador de produtos primários. O economista norte-americano Thomas Palley, do Instituto de Políticas Públicas New America Foundation, vê o cenário de longa estagnação nos países desenvolvidos como o cenário mais provável. "No curso dessa estagnação, contudo, haverá mais recessões", afirmou, avaliando que acabou o tempo de recuperações rápidas dos países mais industrializados. Um dos motivos é a separação entre o crescimento dos salários e da produtividade, um fator crucial para estimular a demanda, que deixou de ser uma realidade no mundo desenvolvido a partir dos anos 80, quando, segundo ele, o receituário keynesiano foi abandonado. Seu raciocínio é baseado na carência de demanda agregada na economia global. Provocará crise de emprego. A raiz do problema está no modelo neoliberal em que a globalização, o corte de gasto governamental, a flexibilização na regulamentação do mercado de trabalho e a reengenharia, tudo isso convergiu para a queda do emprego de força de trabalho. Antes, entre 1945 e 1980, predominou o modelo keynesiano, onde havia círculo virtuoso com elevação da demanda agregada provocando aumento de emprego, que gerava renda para ocupar a capacidade produtiva e incentivar investimentos, que por sua vez elevava a produtividade do trabalho, repassada para aumento de salários, completando o circuito com reforço da expansão da demanda agregada. Na visão neoclássica, queda do salário representa diminuição de custo para empregar. Na visão keynesiana, aumento do salário representa elevação da demanda agregada e, consequentemente, do emprego. A hegemonia acadêmica da tradição neoclássica levou ao abandono político da teoria e das políticas keynesianas. Segundo essa visão keynesiana, a elevação da massa salarial, efeito de reivindicações sindicalistas e proteção social ativa, provocaria aumento do emprego. O aumento do lucro por corte de salários impactaria o nível de emprego, porque salário é também demanda, não é apenas custo. A mudança do modelo neoliberal deveria ser em direção do controle da globalização, que vai contra a soberania das decisões de políticas econômicas nacionais. O gasto governamental seria parte da política de pleno emprego. Caberia regulação de instituições financeiras. Tudo isso refletiria no mercado financeiro e também em empresas não-financeiras. A queda do juro e o aumento do salário elevariam a demanda agregada, propiciando o salário real acompanhar a elevação da produtividade. A expansão da massa salarial expandiria o mercado e a motivação para novas decisões de investimento, evitando a estagnação prevista. O economista-chefe da Agência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad, na sigla em inglês), o alemão Heiner Flassbeck, também considera o divórcio entre os salários médios e a produtividade como fator crucial para explicar a dificuldade do mundo desenvolvido em retomar o crescimento. É o que se passa nos Estados Unidos e no Japão, disse ele, destacando que salários em alta são fundamentais para impulsionar a demanda. Como Palley, Flassbeck participou do primeiro dia do seminário "O novo desenvolvimentismo e uma nova macroeconomia do desenvolvimento", organizado pela Escola de Economia de São Paulo da FGV e pelo Centro Celso Furtado. Iniciou sua palestra dizendo que o Federal Reserve tinha tomado decisão inédita historicamente: fixou a taxa de juros em algo próximo de zero nos próximos dois anos. O juro fixo se deparará com câmbio e salário flexíveis no mercado. Na conjuntura de estagnação que se espera, salário seria flexível para cair, devido à queda do emprego. Cairia assim o consumo e, novamente, o emprego. Ele avalia que 70% da economia global estará em quadro de estagnação. Com consumo representando 60% da demanda agregada, a exportação líquida não dará conta da retomada do crescimento econômico. A economia norte-americana sem dispor de instrumentos ativos de política econômica permanecerá rastejante por década como ocorre com a economia japonesa desde 1980. Na Alemanha, o salário está estagnado há cinquenta anos, disse o economista alemão, em função da meta de inflação acordada na Eurolândia de 2% ao ano. Com a demanda interna estagnada, ela impôs aos vizinhos europeus tal meta, praticamente, obrigando-os à dependência de seus financiamentos, isto é, déficit no balanço de transações correntes face à Alemanha. Os neoliberais europeus responsabilizavam o Estado de bem-estar social como responsável pelos elevados salários reais que retiravam competitividade de suas economias. Na China, o câmbio foi fixado de acordo com a depreciação da moeda norte-americana, a taxa de juros permaneceu baixa e o salário real acompanhou no máximo a elevação da produtividade. Tudo isso propiciou certo controle da inflação até se aproximar do esgotamento da utilização da capacidade produtiva, ou seja, do pleno emprego urbano. O economista alemão exclamou: equilíbrio ninguém deve querer, mas sim desequilíbrio, isto é, crescimento dinâmico! Sua proposta seria a adoção de uma regra global para o câmbio: ele seria fixado tal como no Acordo de Bretton Woods. O problema seria determinar o ponto de partida, via paridade entre taxas de juros ou entre poderes de compra das moedas. O que importa é superar a flexibilidade atual dos preços básicos. O regime internacional deverá ser o de câmbio fixo, taxa de juros fixada abaixo da taxa de crescimento do PIB, indexação da taxa de salário à produtividade esperada e à certa meta de inflação. Os países em desenvolvimento deveriam importar e/ou copiar tecnologia para manter o salário menor, porém também acompanhando a produtividade. Isso expandiria a demanda agregada global. “Só falta combinar com os russos”, ou seja, adotar esse “ponto de partida correto”. Esse cenário de estagnação mundial não combina com preços de commodities elevados, o que terá impacto sobre o Brasil. Para Palley, aliás, os brasileiros têm se mostrado otimistas demais. O país, observou ele, depende muito das altas cotações de produtos primários, que devem sofrer em momento em que os países desenvolvidos, ainda 70% da economia global, tendem a ficar estagnados. Além disso, não está claro se a China conseguirá crescer ao ritmo dos últimos anos, já que o país exporta muito para os Estados Unidos e para a Europa, e há o risco de ocorrer algum problema no sistema bancário chinês. Também Flassbeck criticou os economistas brasileiros que olham muito para a economia brasileira e pouco para o que acontece no “resto do mundo”. Fernando Nogueira da Costa Certas circunstâncias macroeconômicas levam a equipe responsável pela política econômica entrar em dilema entre buscar o equilíbrio interno ou o externo em país que se encontra deficitário no balanço de transações correntes. Se controlar a demanda agregada e desestimular o crescimento econômico, poderá diminuir as importações e até a taxa de inflação, mas aumentará a taxa de desemprego. Qual instrumento deve se adotar e, mais importante, qual deve ser o caráter da política econômica: expansionista ou recessiva?
A saída teórica do dilema seria a adoção de mais de um instrumento relativo à busca do equilíbrio externo, por exemplo, taxa de câmbio, políticas comerciais com tarifas, cotas, etc. Se elevar a mobilidade do capital, via abertura financeira, e adotar política fiscal expansiva, a colocação e a rolagem de títulos de dívida pública poderá elevar a taxa de juros interna bem acima da internacional, atraindo capital estrangeiro para obter equilíbrio do balanço de pagamentos com a conta capital. Portanto, a introdução desse outro instrumento, isto é, a abertura financeira, permite saída da contradição entre objetivos de equilíbrio interno e externo. Na prática, costuma-se, preventivamente, “dispor de mais instrumentos do que o número de objetivos”. Conhecida como Regra de Tinbergen, é espécie de overdose de medicamentos para a economia enferma. Essa Regra de Tinbergen sugere que “a condição necessária, mas não suficiente, para que política econômica seja eficaz, é que exista tanto instrumentos independentes quanto objetivos a atender”. Outra sugestão encontrada em Manuais de Economia é a Regra de Mundell, uma regra de atribuição de funções aos instrumentos de política econômica. Afirma que é conveniente atribuir à política monetária a busca do “equilíbrio externo”, isto é, no balanço de pagamentos, e à política fiscal o objetivo do “equilíbrio interno”, ou seja, do combate ao desemprego e à inflação. Essa Regra de Mundell baseia-se no bom senso: a cada instrumento deve ser atribuída a perseguição do objetivo para o qual tem a eficácia relativa mais forte. A política fiscal deve ser expansionista, para combater o desemprego, e contrativa, no combate à inflação. A política monetária deve ser restritiva contra o déficit externo. Entretanto, essa regra seria válida apenas com regime de câmbio estável e mobilidade imperfeita de capital. Nem sempre ocorre controle de capital. Muitas vezes as intervenções das autoridades monetárias, no mercado de câmbio, não conseguem estabilizar a taxa de câmbio em determinado nível, restabelecendo, via conta comercial, o equilíbrio do balanço de pagamentos em curto prazo. Em conseqüência, a economia sofrerá, temporariamente, certa restrição externa. O dilema da atual política econômica brasileira é como, simultaneamente, enfrentar a inflação, manter o crescimento econômico e combater o déficit externo? Com um único instrumento, a taxa de juros, para alcançar esses três objetivos, a Regra de Tinbergen sugere que haverá fracasso. Aliás, controlar a inflação, cuja aceleração tem múltiplas causas – choque externo de preços de commodities, excesso de demanda, expectativas e reindexação – com esse único instrumento será pouco eficaz. A não ser que se eleve a taxa de juros para nível tal que derrubará, irremediavelmente, o crescimento econômico. Na realidade, o principal mecanismo de transmissão para diminuir a taxa de inflação, a apreciação da moeda nacional e a maior competição com produtos importados, dessa feita, apenas ameniza a inflação importada. Evidentemente, recessão interna não derrubará os preços das commodities, que são formados no mercado internacional, mas sim a quantidade importada. Pior, essa medida conflita, frontalmente, com o objetivo de crescimento. Para contrair a demanda agregada, defende-se então reduzir o gasto corrente, mas mantendo o gasto de investimento do governo senão desestimularia a necessária elevação da taxa de investimento e, em prazo mais longo, da oferta agregada. As dificuldades da autoridade monetária se agravam pela prática adotada na década passada. O Banco Central do Brasil, desde 1999, tem reagido a desvios significativos das expectativas em relação à meta de inflação, visando coordená-las apenas com a taxa de juros. Sem definir, precisamente, o que significam as "expectativas de inflação", há dificuldades para medi-las. Então, como utilizar informação sobre as expectativas de inflação para controlar a inflação corrente?! A autoridade monetária brasileira mede as expectativas de inflação considerando, principalmente, a média das projeções de economistas-chefes de bancos e informações extraídas da evolução dos preços de alguns ativos financeiros no mercado futuro. De um lado, a inflação passada e a inflação corrente "explicam" muito mais as expectativas dos economistas sobre a inflação futura do que estas "explicam" a inflação presente. De outro, as expectativas de inflação embutidas nos preços dos títulos públicos constituem informação distorcida sobre a evolução futura da inflação, já que os prêmios de alongamento são muito voláteis. Seu poder de antecipar a inflação em médio e longo prazo é frágil. Considerando que o passado e o presente acabam sendo o guia para o futuro incerto, este não poderia ser considerado causa de fenômeno presente! Isto seria pensamento circular. O grave disso tudo é que se entrou em círculo vicioso alheio a alguns fatores exógenos determinantes da atual inflação. No mercado de bens e serviços, ainda não se chegou ao estágio em que há processo de sua aceleração com remarcação de preços de maneira preventiva. Na verdade, no mercado financeiro, seus economistas-chefes pautam o Banco Central do Brasil com a própria expectativa de elevação da taxa de juros. Este, passivamente, corresponde à expectativa programada. Contraria o mercado de bens e serviços, mas não o mercado financeiro. Enfim, esse único instrumento – taxa de juros básica – não terá sucesso em alcançar todos os objetivos da agenda governamental. Fernando Nogueira da Costa O monopólio na emissão da moeda oficial é um dos dois símbolos de soberania nacional. O outro é o monopólio da Força Armada. Controle monetário sempre foi considerado um dogma por economistas monetaristas. Moeda oficial é definida como “aquilo com que se paga impostos”. Lembramos de tudo isso quando inovação financeira recente passa, privadamente, a criar ”moeda de fidelidade”?
O grande atrativo é que a evolução do programa de relacionamento permite acumular pontos mais rapidamente, tornando-se mais atrativa para clientes bancários de menor renda. Em média, um cliente que tem gasto de R$ 1.000 por mês concentrado em parceiros do programa (do cartão de crédito ao supermercado) consegue emitir um bilhete aéreo depois de quatro meses. A “moeda” é aceita em mais sites de compras e está iniciando expansão no varejo físico, onde a moeda é aceita em postos de combustível, farmácias, supermercados, restaurantes e até nas máquinas de cartão de crédito. Para garantir a fidelização, há programa que admite apenas uma empresa parceira de cada setor. Alastra-se para as classes B e C o que antes era exclusividade para a classe A. A maior parte da receita vem de acordos com bancos. O resgate de pontos está concentrado na emissão de bilhetes aéreos, embora os programas ofereçam outras opções de bens e serviços. Alguns programas se associam à empresas estrangeiras. Elas passam também a faturar com o sistema de pagamentos brasileiro de varejo. Que fenômeno é este? O negócio da fidelidade é uma inovação mercantil-financeira. Leva o cliente a preferir o seu serviço ao de um concorrente em “mercado de comoditização” com bens e serviços cada vez mais semelhantes. Quando surgiram no início dos anos 80, os programas de milhagem das companhias aéreas eram estratégia muito cara de fidelização. Mas o tempo dos "passivos" de milhas aéreas foi superado. A fidelização se tornou grande negócio, que faz entrar dinheiro no caixa não só das companhias aéreas, mas também no de bancos, locadoras de automóveis, hotéis e redes de varejo. Esses programas têm por trás engenharia financeira que permite transmutar em dinheiro um dos bens mais caros para qualquer empresa: a retenção do cliente. De todas as formas experimentadas para premiar clientes fiéis, a compra de passagens com pontos de fidelidade é a mais demandada. É onde o cliente mais percebe que ganhou status social, em vez de algum bem físico. É essa percepção de valor que permite às companhias aéreas transformar em receita um assento em avião que, de outra forma, voaria vazio. Os bancos tornaram-se os maiores compradores dessa “capacidade ociosa” das companhias aéreas, que girava em torno de um terço dos assentos. Como compram lotes gigantescos de uma só vez, conseguem preço que equivale a um terço do valor médio do bilhete. Por sua vez, os bancos ganham quando conseguem fazer os clientes usarem e gastarem mais no cartão. Os bancos recebem anuidades, tarifas, taxas de desconto, juros do crédito rotativo, etc. Soma-se a isso o fato de que de 5% a 30% dos pontos de fidelidade de qualquer programa não são usados, o que se traduz em ganhos para os bancos. Esse negócio envolve ganho de escala. Depende da capacidade do banco de comprar bem e barato esse benefício para o cliente. Por que outras empresas entram nesse novo negócio? Elas fazem a conta: quanto precisa investir para reter seu cliente? Compara com o custo de mídia, de propaganda e se fizesse desconto para conquistar cliente novo. Chega à conclusão de que é melhor reter, ou seja, fidelizar o cliente. A lógica é simples. Há empresas especializadas em organizar programas do tipo, são gestoras de pontos que nasceram na companhia aérea. Elas organizam a “moeda de fidelidade” para diferentes parceiros. De subsidiária, a empresa se torna a maior "cliente" individual da própria companhia aérea, responsável por trazer percentual já significativo de suas receitas. Ela revende os pontos conversíveis em passagens aéreas para bancos, redes de varejo e hotéis distribuírem a seus melhores clientes. Segundo a companhia aérea, as passagens vendidas para a empresa “terceirizada” custam só entre 10% e 15% menos do que a média das passagens vendidas aos passageiros. Não tem diferença de atendimento se o passageiro comprou a passagem ou trocou por pontos. Se, por um lado, o prêmio em viagens é o principal estímulo para o aumento da frequência no uso de cartões de crédito, as milhas também representam um dos maiores custos dos bancos no negócio de cartão. Esse custo já é tão expressivo que os bancos tentam premiar com outros itens, como eletrodomésticos, diárias de hotel e desconto em restaurantes. Podem trocar por produtos de menor valor ou até por créditos no celular. Há banco que tem programa de fidelidade em que o cliente pode trocar seus pontos por dinheiro na conta. Outros bancos estão oferecendo mais milhas por cada dólar gasto como forma de estimular o uso de cartão de crédito. Os cartões co-branded são mais agressivos em termos de pontuação. Esse não é mercado sem competição. Tem que ter muita criatividade. O grande potencial do mercado de fidelização explica porque determinada companhia aérea compra outra e, praticamente, aposenta a marca adquirida, mas decide incorporar e investir na revitalização do programa de fidelidade. Ele faz parte de estratégia de fortalecimento no mercado de viagens a negócios. O programa é muito importante como ferramenta de fidelização para esse público composto de executivos e/ou mercado de turismo de negócios. Só não garante a fidelidade conjugal... Fernando Nogueira da Costa Li notícia política muito curiosa: o PSDB quer proibir, por emenda constitucional, as privatizações da Petrobras, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal. O partido tucano já tem duas propostas de emenda (PEC) e a expectativa é de que os projetos sejam votados ainda nessa legislatura. O objetivo é impedir que o PT use, como discurso de campanha eleitoral, que os tucanos são privatistas, tal como ocorreu nas disputas de 2006 e 2010.
A PEC 466/2010 acrescentaria dois artigos ao capítulo VI da Constituição Federal, que trata do sistema financeiro nacional. O primeiro estabeleceria que a Caixa "constitui empresa pública, com controle e capital integralizado exclusivamente pela União Federal". O segundo, sobre o Banco do Brasil, determinaria que "é vedada a emissão ou alienação de ações, por meio de uma única operação, ou por meio de operações sucessivas, que resulte na perda do controle do capital social pela União Federal". Já a PEC 370/2009 acrescentaria um dispositivo ao artigo 177 da Constituição, que versa a respeito do monopólio da União sobre o petróleo. O texto diz que a Petrobras "terá o controle exclusivo da União, sendo vedada alienação que implique na perda do mesmo". Os parlamentares tucanos autores das duas PECs pretendem que elas sejam aprovadas e encaminhadas para comissão especial a ser instalada para discuti-las, uma vez que o regimento assim determina por serem emendas constitucionais. Mas, acima de tudo, o intuito maior é causar efeito político-eleitoral. "Eu as propus porque acredito nessa blindagem e acho importante isso constar na Constituição. Mas também uma consequência de sua tramitação será acabar com essa gracinha dos petistas que, de forma malandra e oblíqua, insinuam e tentam impor ao PSDB algo que não defendemos", afirmou seu proponente, que também é pré-candidato a prefeito do Rio. "Esse discurso que o PT fez já nos atrapalhou em duas eleições. Não tenho dúvidas de que perdemos muitos votos com isso. Mas na próxima eleição não nos atrapalhará", completou o nobre deputado. As acusações foram fortes na eleição presidencial de 2006, quando o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato à reeleição, trouxe para a campanha do segundo turno o tema e pegou de surpresa e despreparado o adversário, Geraldo Alckmin (PSDB). O tucano depois chegou a, constrangido, vestir macacão com os símbolos das estatais para provar seu apreço por essas empresas. Em 2010, a então candidata Dilma Rousseff (PT) também retomou o discurso, rebatido por José Serra (PSDB) na linha de que, “se o PT fosse contrário às privatizações, teria reestatizado as antigas estatais na era Lula”! Pasmem-se... Na verdade, como foi comprovado em livro publicado no final do ano de 2007, sob patrocínio da Associação Nacional dos Bancos de Investimentos (ANBID), em parceria com o Instituto de Estudos de Política Econômica Casa das Garças (IEPE/CdG), houve debates sobre privatização dos bancos públicos, realizados em dois seminários, em agosto e novembro de 2006. Sua leitura deixa perceber que os autores estavam plenamente embebidos pelo clima político-eleitoral vigorante na época. As discussões se realizaram no calor do período de eleições presidenciais, quando um candidato da oposição tentava retomar o poder que seu partido deteve de 1995 a 2002, para completar a agenda conhecida como “neoliberal”. A maioria dos participantes das mesas dos seminários esteve naquele governo. Vários foram, diretamente, para os Conselhos de Administração de bancos privados. Outros se dedicaram a dar consultorias a esse público-alvo. Agora, a mais de três anos das eleições presidenciais, os tucanos querem se resguardar de antemão, abrindo esse debate dentro do Legislativo. A ideia é também medir até onde o PT chega nesse debate quando confrontado com propostas do adversário que contradizem seus recentes discursos eleitorais referentes ao tema. Na realidade, os tucanos contavam com as emendas para constranger o PT, mas assinaram a PEC e a apoiaram petistas como o presidente da Câmara, Marco Maia (RS), e os ex-ministros Antonio Palocci (Casa Civil) e Luiz Sérgio (Relações Institucionais). Como o intuito dos tucanos era mais político do que técnico, a expectativa do PSDB era de que qualquer comportamento petista pudesse servir de álibi para evitar a retomada da pecha privatista em 2014. As propostas são importantes do ponto de vista político para “provar que o PSDB nunca falou sobre privatizar esses órgãos”! O “tiro saiu pela culatra”, porque os petistas sempre lutaram para os bancos públicos e a Petrobras terem seu controle mantido pelo governo brasileiro. Se é isso que os tucanos passaram a defender, é uma vitória política! Fazer os adversários tremular suas bandeiras de luta, imaginando que delas se apropriaram, é a conquista maior em ação coletiva. Fernando Nogueira da Costa Em seu livro “O Melhor Cérebro da Sua Vida: Segredos e Talentos da Maturidade” (Rio de Janeiro, Zahar, 2011), a Editora de Ciência do New York Times, Barbara Strauch, informa que, “apesar da perda da velocidade e do fato de que, às vezes, os indivíduos mais velhos demoram mais para aprender algumas novas habilidades, eles conduzem sua vida profissional com habilidade e destreza crescentes”.
Estudo recente constatou que gerentes de bancos mais velhos exibiam, em testes cognitivos, um declínio normal relacionado com a idade, mas seu grau de sucesso profissional dependia quase inteiramente de outros tipos de habilidades. O conhecimento prático adquirido sobre a cultura do mundo dos negócios e as relações interpessoais faz o gerente trabalhar com mais eficiência. No entanto, há bancos que obrigam esses gerentes entrarem em “aposentadoria compulsória”! Nos últimos anos, os cientistas criaram novas maneiras de medir o sucesso na vida real, examinando o que chamam de conhecimento prático ou tácito. Uma das maneiras de fazê-lo foi dar aos gerentes cenários reais, seguidos por soluções diferentes, as quais tinham demonstrado funcionar ou não funcionar nos meios profissionais. Depois dos participantes escolherem suas soluções, seus resultados foram classificados. Nesse caso, os mais velhos, recorrendo a seus cérebros de meia-idade – serenos, ricamente interligados e reconhecedores de padrões –, obtiveram sistematicamente a classificação de especialistas. Mede-se a sabedoria do indivíduo conforme seu desempenho em três dimensões: 1. a cognitiva, que se descreve como “o desejo de saber a verdade e poder enxergar os meios-tons, em vez de ver tudo em preto e branco” e como a capacidade de “tomar decisões importantes, a despeito da imprevisibilidade da vida”; 2. a reflexiva, que consiste na capacidade e disposição de olhar para perspectivas diferentes; 3. a afetiva, que é o nível de solidariedade e compaixão pelos outros. De modo geral, as pessoas que se concentram em algo fora delas mesmas são as que se revelaram mais sábias. Obtêm pontuações muito baixas no egocentrismo. Importam-se com outras pessoas. Os indivíduos que se interessam primordialmente por si mesmos, ou por sua posição na comunidade, obtêm pontuações muito baixas na escala da sabedoria. Essa sabedoria provém diretamente da ação de adquirir perspectiva mais ampla ao longo do tempo. Infelizmente, vivemos em sociedade que, em vez de recompensar os altruistas, isto é, os que ensinam ou cuidam de terceiros, glorifica os jovens egocêntricos que pensam sobretudo em seu ganho pessoal: “os que buscam o dinheiro pelo dinheiro”. Necessitamos alcançar a serenidade para aceitarmos as coisas que não podemos modificar, a coragem para modificarmos aquelas que se podemos, e a sabedoria para distinguirmos uma das outras. Está na hora da geração dos anos 60, aquela que fez revolução nos costumes, liderar a “re-evolução da meia-idade”! Mais de 500 milhões de pessoas no mundo estão com 65 anos ou mais. Após 2030, uma em cada oito pessoas no Planeta estará na meia-idade ou será mais velha. Elas superarão o número de pessoas com menos de 15 anos. Não se trata apenas de enfrentar a “crise demográfica” da Previdência Social, isto é, da população ativa não conseguir mais sustentar a inativa em regime de repartição, necessitando então aplicar em Previdência Complementar e assumir riscos de renda variável inerentes ao regime de capitalização. Com cérebros maduros, as pessoas não se incomodam, pelo contrário, querem continuar a trabalhar desde que seja de maneira criativa. Porém, depois dos 65 anos, apenas 13% dos aposentados atuais efetivamente trabalharam até essa idade. Ao contrário, 40% deles foram forçados a suspender o trabalho antes do que esperavam. Sua média etária de aposentadoria era de 59 anos. A discriminação etária continua no mercado de trabalho. Os candidatos mais jovens têm probabilidade 40% maior de ser chamado para alguma entrevista do que os de 50 anos ou mais. A longevidade mais do que dobrou, entre o início e o fim do Século XX, mas não se pensa em que faremos com todos esses anos a mais de esperança de vida e cérebros melhores. Tornar-nos irrelevantes socialmente? Por que não criar licenças sabáticas em todas as ocupações a fim de ser possível aprender algo criativo fora do trabalho alienado? Por que não reduzir a semana de trabalho? Por que não gerar mais empregos com horários flexíveis ou de meio expediente? Por que não manter os trabalhadores mais velhos na força de trabalho, para ajudar os mais jovens aprender suas habilidades? Os empregados com mais de 60 anos não podem treinar os mais jovens? As pessoas acima dos 60 anos estão velhas demais para lecionar, medicar, advogar?! Dado que a maioria está em melhor forma física e vivendo mais, a idade verdadeira deveria ser determinada não pelos anos decorridos desde o nascimento, mas pelos que restam por viver. Em outras palavras, de acordo com o risco de morrer dentro do próximo ano. Na meia-idade, o risco de mortalidade entre 1% e 4% no próximo ano começa, atualmente, por volta dos 58 anos entre os homens e dos 63 entre as mulheres. Assim, os homens só tornar-se-iam velhos aos 73 anos e as mulheres aos 78 anos. Antes da velhice, o cérebro maduro tem trilhões de ligações neurais que nos tornam mais inteligentes, mais calmos, mais sensatos e mais felizes. Capazes de lidar com quase qualquer crise. Não somos inúteis! Fernando Nogueira da Costa Lula cunhou a síntese metafórica do debate sobre a Vale, uma das maiores empresas mineradoras do mundo, que foi privatizada, mas o Estado brasileiro mantém seu controle através de fundos de pensão de empresas estatais. “O problema da Vale é que ela só quer exportar minério de ferro enquanto o Brasil importa trilhos de ferro”. Em debate publicado na imprensa brasileira, os economistas não se entendem a respeito da melhor política a ser adotada por essa empresa neo-estatal. Talvez o desentendimento esteja em sua natureza judicial: trata-se de política industrial nacional, que atenda aos interesses do controlador indiretamente majoritário, ou de estratégia de mercado em curto prazo, voltada para interesses dos acionistas minoritários?
Como a demanda chinesa e a baixa taxa de juros norte-americana dispararam os preços de commodities (matérias-primas), o debate sobre se é melhor exportar produtos básicos ou investir em agregar mais valor se torna mais complexo em relação ao debate que ocorreu, desde o pós-guerra, entre os defensores da vocação agrícola do País, liderados por Eugênio Gudin (FGV-RJ), e os da industrialização brasileira, sob liderança de Roberto Simonsen (FIESP). Analistas de mercado perguntam, por exemplo, por que a Vale deve investir em siderurgia em momento em que há excesso de produção de aço e as cotações do minério de ferro aumentam fortemente? Economistas desenvolvimentistas, contudo, ainda defendem ferrenhamente a estratégia de agregar valor às vendas externas, para que o país não fique dependente dos preços de commodities, historicamente muito voláteis, e aposte em setores com maior desenvolvimento tecnológico e empregos de melhor qualidade. Em princípio, na visão desenvolvimentista, é melhor exportar produtos com maior valor agregado. Como regra geral, os efeitos de encadeamento do processo traz benefícios à economia do país. Os compromissados com o mercado apelam para a moderação ou, no popular, “subir em cima do muro”. Alertam que, de maneira pragmática, “cada caso necessita ser analisado detalhadamente”. Não há respostas prontas, pré-concebidas, a respeito da questão se a Vale deve ou não investir em siderurgia. Além da escalada de preços do minério e da sobra de aço no mundo, outros dois argumentos questionam a conveniência de a empresa apostar na siderurgia. A primeira é que, se entrar agressivamente nesse mercado, a Vale passará a concorrer com seus principais clientes importadores de minérios de ferro. É óbvio que isso gerará conflito para conquista de participação no mercado mundial. Os nacionalistas, no entanto, priorizam o atendimento do mercado interno brasileiro. O segundo ponto é que produzir aço consome muita energia elétrica, o que não ocorre com a extração de minério de ferro. Na retórica reacionária, sempre aparece a tese da ameaça: o custo de qualquer reforma ou mudança é alto demais, pois coloca em perigo outra preciosa realização. No caso, questiona-se: “Será que o Brasil tem oferta de energia suficiente para isso?” Os desenvolvimentistas vêem com maus olhos a ideia de produtos como o minério de ferro ganharem tanto espaço na pauta de exportação brasileira. Há, nesse caso, conflito entre os ganhos de curto e os de longo prazo. Neste momento, certamente exportar minérios é “negócio da China”, mas em longo prazo os preços de matérias-primas são muito voláteis. Portanto, é melhor se prevenir para quando vier a fase ruim. A estratégia de buscar mais valor agregado dá maior impacto sobre o emprego. A produção de commodities costuma gerar poucos postos de trabalho, em geral de baixa qualificação. Na fabricação de manufaturados, há maior desenvolvimento tecnológico e a geração de melhores empregos. A queda das cotações dos bens manufaturados não impede que, com ganhos de escala, a fabricação industrial siga bastante rentável, basta ver a estratégia da própria China. Já os “mercadores” extrapolam período bastante longo de preços de commodities em níveis elevados, dada a perspectiva de que a China continue a crescer a taxas robustas e os produtos industriais continuem muito baratos. Para eles, haveria maniqueísmo por parte dos economistas desenvolvimentistas, que consideram a produção de bens de maior valor agregado como algo intrinsecamente bom. Argumentam que a questão não pode ser vista em absoluto. A rentabilidade hoje de produzir minério de ferro é muito maior do que a da siderurgia. Com a ótica de curto prazo do mercado, perguntam-se: “O que é melhor para a empresa, ser a Vale ou a Usiminas?" Alegam que há grande capacidade ociosa no setor siderúrgico no mundo, além de não se esperar queda dos preços de commodities. Quanto à crítica de ser esta visão míope de curto prazo, respondem da seguinte forma-padrão. “Não ignore o que mercado está dizendo. A diretoria da empresa tem que tomar decisões que afetam a vida da empresa vários anos à frente, com os acionistas cobrando por isso. Quem está no dia a dia da empresa, e conhece o mercado em que a companhia atua, está muito mais capacitado para definir a estratégia do que um burocrata em Brasília”. De fato, as empresas de commodities não operam em enclave. Elas estão integradas à economia, gerando demandas por produtos manufaturados e serviços nas suas cadeias. Os especialistas em Economia Industrial consideram que a discussão sobre o assunto é feita muitas vezes de modo simplista como na polêmica minério de ferro X aço, no caso da Vale. Um produto primário muitas vezes tem processo de produção que envolve muita agregação de valor. No caso da Vale, focar na produção de minério de ferro poderia ser em curto prazo mais indicado, dada a sobra de aço no mundo, mas seria importante que os investimentos da empresa em logística beneficiassem outros setores da economia, por exemplo, via construção de ferrovias pela companhia, que já fez em relação à Vitória-Minas. Como tem aumentado a demanda pela produção de mais locomotivas e trilhos no país, é importante haver diversificação de suas atividades para outros segmentos da economia. Enfim, a estratégia nacionalista é a melhor opção, desde que não faça a empresa ter fortes aumentos de custos em longo prazo. Em outras palavras, é necessário que seja desenvolvimento sustentável, inclusive empresarialmente. Fernando Nogueira da Costa Há certo tempo, Miguel Amaral, economista português que segue (e apoia) este blog, dirigiu-me a seguinte pergunta: “de acordo com a sua visão de acadêmico e economista, o que você acha da Escola Austríaca? É uma corrente de pensamento econômico com virtudes e falhas? Ou seus membros apenas são fundamentalistas do capitalismo puro?”. Quanto à Escola Austríaca, confessei-lhe minha ignorância.
Talvez por preconceito quanto ao que li de Hayek, sempre a classifiquei como "religião fundamentalista" anti-Estado. Como a tradição da Cepal coloca o Estado com papel-chave para o capitalismo tardio em nosso País dar "salto de etapas" e superar o atraso econômico-social, nunca foi dado nenhum destaque à ela na Unicamp. No entanto, não se deve deixar vácuo no conhecimento, senão a ignorância o preenche. Surpreendi-me com o destaque dado recentemente à Escola Austríaca em nosso País. Sergio Lamucci (Valor, 29/04/2011) escreveu matéria a respeito, intitulada “Sonhos de um libertário” (sic). Destacou ideias anti-democráticas de um visitante, o economista alemão Hans-Hermann Hoppe. Esta persona non grata aqui veio pregar contra instituições defensivas que representam travas ante à super exploração do livre mercado pelos que dispõem de maior capital acumulado. Sem limite, segundo sua pregação, haveria não só o desmanche do Estado democrático, além dos que os neoliberais tentaram, como também da rede de proteção social e da própria democracia popular! Quando a gente acha que as filosofias totalitárias estavam vencidas, no desespero da crise elas reaparecem em seu berço europeu. O alemão Hans-Hermann Hoppe é um crítico irracional dos Bancos Centrais. Para o economista da Escola Austríaca, a existência dessas instituições é a principal causa de crises financeiras como a que abateu a economia global em 2008 e 2009. "Um banco central é a única instituição que pode criar dinheiro virtualmente a partir do nada. Não se deve esperar que uma instituição que pode imprimir dinheiro, criar crédito e redistribuir renda em seu favor cause uma crise financeira?", diz ele, que se classifica também como um filósofo libertário/anarco-capitalista. Veja o cara-de-pau! Libertário porque deseja o mercado totalmente livre e anarquista porque rejeita até o Estado capitalista! Membro-sênior do Instituto Ludwig von Mises e fundador e presidente da Property and Freedom Society, Hoppe coleciona opiniões reacionárias. Além de defender a extinção dos bancos centrais, vitupera contra a democracia, como no livro "Democracy: the God that Failed". Em seu lugar, Hoppe propõe o que chama de "sociedade de leis privadas", em que até a segurança seria oferecida por companhias particulares, em ambiente de livre concorrência. Nesse mundo construído a partir de uma mente totalitária, o Estado não existiria! O totalitarismo não se refere ao conceito político do “homem como servo do Estado”, mas sim à doutrina de reforma social do “homem sem proteção do Estado”. Hoppe, nos dias 9 e 10 de abril de 2011, participou do II Seminário da Escola Austríaca, em Porto Alegre, promovido pelo Instituto Ludwig von Mises do Brasil. Hoppe é entusiasta da obra de Mises, um dos expoentes da Escola Austríaca, defensor de política irrestrita de livre mercado e de respeito total ao direito de propriedade. "'Human Action', a obra mais importante de Mises, ainda será lida daqui a 200 ou 300 anos, ao passo que ninguém mais lerá Milton Friedman dentro de 100 anos", acredita ele, com base em que? Destaca o fato de Mises explicar economia a partir de lógica aplicada, integrando-a em um grande sistema. Não destaca, no entanto, sua total aversão à busca de evidências empíricas dedutíveis de suas proposições. Veja como sua visão inverte causa e efeito. Para Hoppe, a própria existência dos Bancos Centrais é a grande responsável pela crise financeira de 2008/2009, cujos efeitos ainda afetam a economia global, e não a progressiva desregulação do sistema financeiro a partir dos anos 90. "O banco central é uma instituição muito pouco comum, a única que pode criar dinheiro basicamente a partir do nada. Todos os outros que fizerem isso são considerados criminosos", ataca Hoppe, PhD em filosofia pela Universidade Goethe, em Frankfurt, demonstrando ignorância completa da história bancária. O Banco da Inglaterra, primeiro Banco Central criado no mundo, nasceu para dar suporte ao sistema bancário, salvando o setor bancário e seus clientes, isto é, o público não-bancário, nas crises. Hoppe diz que há algumas diferenças institucionais no modo como Bancos Centrais operam na Europa, nos Estados Unidos ou no Brasil, mas o princípio básico é sempre o mesmo: a possibilidade de imprimir dinheiro. "É sempre possível criar um boom reduzindo os juros a um nível artificialmente baixo. Se as coisas vão mal, o Banco Central pode resgatar si mesmo, simplesmente imprimindo os recursos necessários para cobrir suas perdas. Os ganhos são privatizados, obtidos pela expansão de crédito, e as perdas são socializadas quando as coisas dão errado." Ele não só desconhece as formas de entrada de moeda na Economia, onde a demanda tem papel determinante, como também ignora que nenhum sistema financeiro nacional pode quebrar, senão quebra junto a Nação! Banco Central é instituição defensiva criada justamente para evitar isso! “Como os Bancos Centrais vão continuar a existir, a eclosão de novas crises é apenas questão de tempo”, afirma Hopper, observando que “o problema foi enfrentado pela impressão de ainda mais dinheiro. O resultado? Uma nova bolha em gestação, ainda maior que a anterior, que terá um colapso ainda mais drástico”, vaticina. Ainda bem que reconhece a inoperância de sua filosofia totalitária face aos interesses coletivos. A eclosão de novas crises e suas superações constituem a irreversível história da economia de mercado. Para o economista alemão, a melhor resposta à crise seria ter deixado os bancos quebrarem. "Governos e Estados amam crises, porque oferecem sempre a possibilidade de aumentar o poder. A resposta à crise foi aumentar ainda mais o poder dos bancos centrais, para supervisionar o sistema bancário, quando o mais adequado seria deixar os bancos quebrados falirem. Isso teria afetado alguns grandes 'players', mas não a maior parte dos pequenos homens de negócios e as pessoas mais pobres ou moderadamente ricas. [Prova disso? Não lhe importa.] O que ocorreu foi o resgate de governos, grandes bancos e pessoas bem relacionadas. Se os bancos cometeram erros, como qualquer outra empresa, deveriam falir", diz o pensamento simplista de Hoppe, para quem também é um erro o resgate dos países europeus, como Grécia e Portugal. Mas se a crise se agravou com o colapso de um banco que não era gigante - o Lehman Brothers -, a quebra de instituições do tamanho do Citigroup e a AIG não teria um impacto ainda maior sobre a economia real? "Por que isso ocorreria? Alguns bancos quebrariam, alguns grandes investidores nesses bancos também quebrariam, mas os ativos reais no país continuariam exatamente os mesmos. Não haveria perda de bens. Haveria exatamente as mesmas fábricas, casas, imóveis. Elas apenas iriam para as mãos de pessoas diferentes, que não cometeram erros." E essas “pessoas diferentes”, com a perda de seus ativos financeiros, os comprariam como? Quem receberiam os imóveis, os devedores ou o credor em última instância, isto é, os investidores que compraram “várias camadas” de títulos financeiros securitizados? Quem cuidaria da justa repartição? Rs. Rs. Rs. Para Hoppe, com essa estratégia o desemprego aumentaria por pouco tempo, e a recuperação da economia seria mais rápida. Por que? Em quanto tempo? Quantos sobreviveriam sem a rede de proteção social? Isto tudo são meros “detalhes” com os quais o filósofo totalitário não se importa. Basta a fé cega que o mercado afinal proverá. "Quando as empresas quebram, há um curto período de mais desemprego. Mas isso significa que esses trabalhadores agora estão disponíveis para outras indústrias, em que há mais demanda. O que precisamos, para lidar com o desemprego, é ter mercados de trabalho flexíveis. Os salários devem poder ir para cima ou para baixo, sem nada como leis de salário mínimo." Mas é realista esperar o fim dos bancos centrais? "Vamos supor que tenhamos hiperinflação. Posso imaginar muito bem que a opinião pública se volte contra o Fed [Federal Reserve, o banco central americano], por exemplo. Há alguns anos, eram considerados intocáveis, falavam no Maestro [Alan] Greenspan [ex-presidente do Fed], apenas atrás de Deus. Hoje ninguém mais os vê desse modo." Retórica vazia e idiota, porque faz mal a si e aos outros sem ter consciência disso. “Num mundo sem bancos centrais, os juros seriam fixados pelo mercado e haveria a tendência de que uma commodity, possivelmente o ouro [que ultrapassou US$ 1.500 a onça], se desenvolvesse como moeda de uso global, para facilitar as trocas. Por centenas de anos tivemos dinheiro-commodity e bancos privados concorrentes, emitindo suas notas, sempre resgatáveis em ouro, prata ou outro metal." Então, voltemos séculos na história! Entremos na máquina do tempo! Em relação aos juros, Hoppe diz que são "um fenômeno de mercado, como qualquer outro preço". Para ele, a noção de que é necessária uma instituição para fixar os juros é "bastante estranha". "Os juros são simplesmente a relação entre o preço futuro e o preço presente do dinheiro." Seus princípios teóricos são tão elementares... Desconhece outros raciocínios. É auto-suficiente. Reacionário é o pensamento favorável à reação ao grau de civilização que se alcançou, sendo inclusive contrário, hostil à democracia. Assumidamente, é antidemocrático, porque se opõe às idéias voltadas para a transformação da sociedade em busca de maior igualdade. Ele defende, no fundo, princípios ultraconservadores, contrários à evolução política ou social no sentido de conquistas populares. Entre as ideias do alemão Hoppe, membro-sênior do Instituto Ludwig von Mises, chama a atenção sua visão negativa da democracia. Segundo ele, o movimento democrático foi inicialmente direcionado contra as monarquias [movimento republicano, revolução burguesa, burro], com o argumento de que eram baseadas em privilégios. Na democracia, isso não ocorreria, e todos seriam iguais perante a lei. "Mas isso é um erro, porque também na democracia há privilégios. A questão é que não são privilégios pessoais, mas de função. Um funcionário público pode fazer coisas que um pessoa comum não pode fazer", afirma Hoppe. "Como uma pessoa comum, não posso tomar seu dinheiro contra sua vontade e gastar como eu quiser. No caso dos funcionários públicos, isso é chamado de política social e redistribuição de renda." Com isso, “privilégios existem na democracia, assim como na monarquia, exceto que eles não são de caráter pessoal”. O pior desse pensamento simplista, que desconhece a história, é que tem capacidade de convencimento de outras mentes ignorantes. O segundo ponto é que, ao mudar um rei por governante democrático, troca-se alguém que considerava o país sua propriedade por alguém que se vê como um zelador temporário do país. "Na democracia, a exploração do país, por assim dizer, se torna mais orientada para o curto prazo. Tenta-se tirar o máximo que se conseguir no período mais curto possível." É aquele raciocínio rancoroso segundo o qual todo político está buscando maximizar o que tem de pior em si próprio, ou seja, na cabeça de quem assim pensa. Para Hopper, outra diferença relevante é que, na democracia, a população tende a ser mais tolerante com a expansão do poder do governo. "Na monarquia, como não serei o rei e você não será o rei, sempre que o governo quiser aumentar impostos, expropriar mais, haverá resistência. Na democracia, como em teoria qualquer um pode se tornar 'rei', há mais tolerância em relação a isso. Não gosto de pagar mais impostos, mas talvez amanhã eu esteja recebendo os recursos dos impostos." Hopper não propõe, contudo, a volta da monarquia absoluta. Segundo ele mesmo escreveu em artigo, isso seria hoje considerado risível. O que defende é sua filosofia totalitária: sociedade de leis privadas. "Todo indivíduo e toda instituição estariam sujeitos exatamente às mesmas leis. Não haveria nenhuma instituição que pudesse cobrar impostos de outras pessoas ou que tivesse o monopólio da produção de qualquer coisa." Nesse mundo, haveria também livre competição na oferta de segurança, com forças policiais privadas, companhias de seguro privadas e agências privadas de arbitragem, que teriam que oferecer contratos, em contraste com a situação atual. Não temos nenhum contrato com o Estado." Esse pensamento não é o anarquista clássico do passado, mas sim o selvagem da ficção científica, pregando para o futuro o “salve-se quem puder”. Segundo Hopper, no Estado democrático, quando há conflito entre um cidadão e um órgão estatal, não há arbitragem independente. Há outras pessoas, também empregadas do Estado [na verdade, do Poder Judiciário], que decidem quem está certo. "Além disso, uma companhia privada que o proteja nunca poderia mudar o contrato unilateralmente, como fazem os Estados ao aumentar os impostos, por exemplo. Sempre que eles passam uma nova lei, as regras do jogo mudam. Coisas que eram legais ontem se tornam ilegais amanhã." Como transição até esse modelo, Hoppe imagina um mundo com "dezenas de milhares de países, regiões e cantões, e centenas de milhares de cidades livres independentes, como as excêntricas Mônaco, San Marino, Liechtenstein, Hong Kong e Cingapura". Para ele, esse seria um mundo de prosperidade, crescimento e avanço cultural sem precedentes. como afirmou em entrevista ao "The Brussels Journal". A vantagem, segundo Hoppe, é que “pequenos Estados são menos propensos a recorrer a políticas protecionistas, dando prioridade ao livre comércio”. Sua reação à história é tão grande, que deseja que a Europa retorne ao feudalismo! Ele não entende que os refugiados da Europa, que vieram para as Américas devido a fatores de repulsão, buscaram (e continuam buscando), através do Estado e da Liberdade Democrática, dar saltos de etapas na história da civilização, superando a colonização, a escravidão e as filosofias totalitárias de origem européia. Tudo isso não é utópico demais? "O que os socialistas queriam era verdadeiramente utópico, porque queriam mudar a natureza do homem. O que estou dizendo, o que os libertários dizem, não é utópico nesse sentido", responde Hoppe. Para ele, “um fator que pode levar o mundo a caminhar na direção de maior descentralização é a inviabilidade do Estado de bem-estar social. Os sistemas previdenciários, por exemplo, não podem ser financiados no longo prazo”, diz. Nessa visão reacionária da “natureza do homem”, como os homens são seres biológicos desiguais, eles deveriam se submeter à lei do darwinismo social. A vida em sociedade deveria reproduzir a vida natural, com sua violência e livre competição em que os fortes exterminam os mais fracos. Credo! "Quando esse colapso ocorrer e o Estado de bem-estar social não puder mais ser financiado, poderá haver uma tendência em direção à descentralização e à secessão", afirma Hoppe. “Os alemães podem se cansar de custear o socorro a países como Grécia e Portugal. Também pode ocorrer o mesmo com países mais pobres, como Estônia, Lituânia e Eslováquia, cujo padrão de vida é mais baixo do que na Grécia, mas que adotaram políticas econômicas mais sóbrias que os gregos”. O mesmo movimento poderia ocorrer dentro dos países, acredita Hoppe, que vê como possível o colapso do Estado de bem-estar social em algo como 20 anos. No fundo, tudo isso não passa de um pensamento neonazista rasteiro, defendendo o retorno às supostas “glórias do passado”. Na crise, há alemães que voltaram a acreditar que sustentam o “resto da Europa”, simplesmente, porque continuam se enxergando como raça ariana, ou seja, a essência intermediária entre a divindade e a humanidade. Triste, triste, lamentável... Fernando Nogueira da Costa Segundo Joseph Schumpeter (1883-1950), no final do seu livro póstumo “História da Análise Econômica” (1954: 475 – Vol. III), “a Economia, como a Filosofia, e diferentemente da Física, é uma Weltanschauungswissenschaft, isto é, uma ‘ciência’ relativa à pesquisa e ao ensino, e como tal necessariamente não prescinde da lealdade e da crença ilimitada do pesquisador ou do professor”. Ele afirma isso quando trata da Economia nos países totalitários na época da II Guerra Mundial: Alemanha, Itália e Rússia. No caso germânico, como a República do Weimar (1918-32) estabeleceu, os governos deviam ceder cada vez mais à exigência dos partidos políticos de que as indicações para os Departamentos Econômicos nas Universidades estatais levassem em conta a tendência política do candidato.
O regime Nacional-Socialista levou ao limite essa tendência. Ele foi intolerante não apenas para com as críticas às suas políticas, mas também com qualquer sintoma de falta de simpatia para com a filosofia do Partido Nazista. Favorecia os membros do Partido e espezinhava os judeus. Aos que não insistiam a respeito de profissões de fé, o regime saudava com prazer. “O grupo de Viena, sob a liderança do Professor Ludwig Von Mises, embora mantivesse uma individualidade vital, entrou em relações mais íntimas do que em qualquer oportunidade anterior com o restante dos economistas alemães e, assim, ficou em posição de defender suas próprias doutrinas características” (Schumpeter, 1954: 474). Schumpeter, na verdade, não trata das literaturas econômicas “totalitárias”, justificando-se por tais obras pertencer à linha de uma filosofia “totalitária” ou “mesmo pretender servi-la e implementá-la”. É a razão principal para deixá-las de lado. Em si mesmas, porém, foram excluídas as várias filosofias totalitárias não porque fossem “totalitárias”, mas porque eram “filosofias”, isto é, especulações que extravasam a esfera da ciência empírica. Ele faz a distinção entre Economia Analítica e Economia Política. De acordo com a visão schumpeteriana, a Ciência Econômica é um arsenal de ferramentas teóricas que você tem de aprender a manusear antes de poder manifestar qualquer opinião sobre sua utilidade ou não. A familiaridade com os instrumentos teóricos, que só advém com treinamento árduo e longa experiência, é pré-requisito tanto para formar alguma opinião sobre essa teoria como para se poder fazer qualquer coisa com ela. O economista tem que praticar a teoria econômica, ou seja, a arte de construir e utilizar conceitos e teoremas e apreender fatos através deles. O estudo de Economia não se trata somente de aprender modelos teóricos e os acrescentar à lista de teorias que já conhece. “O que se deve aprender é como trabalhar com elas, analisar situações concretas e resolver problemas com as mesmas. Se isto não é feito, essas teorias permanecem sem vida e estéreis” (SCHUMPETER, Joseph A. A atitude mental e o equipamento científico do economista moderno. Literatura Econômica. Rio de Janeiro, IPEA-INPES, 6(3):333-346, 1984. p. 341). A Escola dos chamados Economistas Austríacos modernos toma como patronos Ludwig von Mises e Friedrich Hayek. Foram inspirados pelo ataque de Hayek ao “ciencismo” ou monismo metodológico, ou seja, um único critério para julgar todas as ciências: levantamento de hipótese – testes empíricos – falseamento e descarte da hiperinflação – substituição por outra hipótese. Porém, a inspiração mais direta foi a obra de Mises, Human Action: A Treatise on Economics (1949). Nela anuncia a praxeology, a teoria geral da ação racional, de acordo com a qual a admissão da ação individual propositada é pré-requesito absoluto para se explicar todo o comportamento, incluindo-se o comportamento econômico, constituindo um princípio a priori que fala por si próprio. Refletia a profunda antipatia que Mises nutria pelo positivismo lógico. Princípios a priori sintéticos são proposições que se referem ao mundo real, porém que são independentes e anteriores à experiência. Os enunciados de Mises de apriorismo radical são tão intransigentes que têm que ser lidos para que se possa acreditar que tenham discípulos. “O que confere à Economia sua posição única e peculiar na órbita do conhecimento puro e da utilização prática do conhecimento é o fato de que seus teoremas específicos não são abertos a nenhuma verificação ou falsificação com base na experiência [...] a última medida de correção ou incorreção de um teorema econômico é apenas a razão sem a ajuda da experiência” (Mises, 1949: 55-56). Segundo Mark Blaug, juntamente com o apriorismo radical segue uma insistência no que Mises chama de dualismo metodológico, a disparidade essencial de abordagem entre ciência social e natural, baseada na doutrina Verstehen, e a rejeição radical de qualquer tipo de quantificação, seja das premissas ou das implicações de teorias econômicas” (Blaug,Mark. A Metodologia da Economia. São Paulo, EDUSP, 1993: 129). Essa noção de que até mesmo a verificação de suposições é desnecessária na Economia constitui o estigma da Escola Austríaca. Coloca em suspeita todos os agregados macroeconômicos como renda nacional ou Índice Geral dos Preços. Desaprova o teste quantitativo de previsões econômicas. Rejeita categoricamente algo como Economia Matemática ou Econometria. Possui a crença de que se aprende mais por meio do estudo de como os processos do mercado livre convergem para o equilíbrio do que por meio da análise sem fim das propriedades dos estados vigentes. Essa atitude antiempírica é completamente estranha à exigência de medição existente em qualquer ciência. Os escritos de Mises sobre os fundamentos da Ciência Econômica são tão idiossincráticos e dogmaticamente enunciados que Mark Blaug tem até dúvida que tenham sido levados a sério por alguém. Infelizmente, são muitos os cegos pela paixão do livre mercado. Fernando Nogueira da Costa A nova Diretoria do Banco Central do Brasil não tem “gente do mercado”. Há, sem dúvida, significado político nessa mudança, que já vinha sendo arquitetada desde o Governo Lula. O único diretor não oriundo do próprio Banco Central é competente profissional do quadro de servidores do Banco do Brasil. Essa característica mudou a política implementada pela autoridade monetária? Sim, embora não tenha sido apenas por isso, porque os Bancos Centrais estão mudando em todo o mundo depois da crise.
Exemplo dessa alteração na política monetária é que os pequenos bancos já atingiram o limite de alavancagem e interromperam a concessão de crédito. Assim, alguns bancos de pequeno porte estão em compasso de espera para voltar a operar a plena capacidade. Enquanto a Central de Cessão de Crédito (C3), sistema que tornará transparente a compra e venda de carteiras pelas instituições financeiras, não entrar em funcionamento na Câmara de Compensação Interbancária (CIP) e o lançamento de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) não retomar seu ritmo, o espaço de alavancagem dos bancos menores para conceder empréstimos permanecerá reduzido. Isso ocorrerá a não ser nos casos em que o controlador optar por aumento de capital. As instituições vinham desde o episódio da quebra do Banco Santos, no final de 2004, operando dentro desse padrão. Devido ao efeito demonstração, a captação de passivos via Certificados de Depósito Bancário (CDBs) adquiridos por investidores institucionais escasseou. A solução foi adotar uma das medidas apontadas (ou as quatro em conjunto): venda de carteira de empréstimos, capitalização, lançamento de FIDC e/ou captação de recursos no exterior. Com a crise internacional essa última fonte de liquidez também secou. Para aliviar a pressão sobre seu índice de Basileia, esses bancos tentavam fazer emissão externa de dívida subordinada, recurso que entrava para o patrimônio do banco como capital de nível 2. Além disso, apresentavam ao Banco Central do Brasil proposta para minimizar o efeito da coobrigação dos ativos cedidos sobre seus índices do Acordo de Basileia, o que dependia de sua aprovação. Depois do episódio PanAmericano, novamente o “efeito demonstração” levou os bancos de pequeno porte ao limite de alavancagem permitido. O rombo bilionário encontrado no banco que pertencia a Silvio Santos levou praticamente à interrupção da venda de carteiras de crédito para grandes bancos. A oferta de FIDCs também tornou-se mais seletiva desde o fim do ano passado, contribuindo para reduzir de forma significativa a folga de capital dessas instituições financeiras. É praxe entre os bancos colocar parte de suas carteiras de crédito dentro de fundos de recebíveis. A venda de créditos para bancos maiores e a cessão para fundos liberam espaço no balanço para novos empréstimos, além de funcionar como fundamental fonte de captação e de antecipação de receita. Com esses “acidentes de percurso”, os bancos especializados no crédito consignado, em folha de pagamento e no financiamentos de veículos usados, estão operando no limite. Alguns chegam perto de ficar desenquadrado do índice mínimo de Basileia, que é de 11% no país. Quando as operações de varejo são cedidas com coobrigação, ou seja, o risco de inadimplência continua com o banco que cedeu o crédito, os ativos também continuam no balanço do banco, pressionando seu índice de Basileia. Embora reste algum “dinheiro em caixa”, a originação de empréstimos esbarra na capacidade de retenção dos ativos de crédito em balanço, uma vez que o patrimônio para a cobertura de eventuais perdas está no menor nível permitido. Então, ou o banco conta com aportes do grupo controlador, ou vende suas ações para outro banco mais capitalizado. Assim, o balanço consolidado da associação entre duas instituições vai apresentar patrimônio líquido superior. Como houve enxugamento importante de liquidez desde o fim do ano passado, isso implicou em mudança de paradigma para o setor. Os bancos vão precisar centrar-se naquilo que podem carregar em balanço, e não necessariamente no que vão produzir e vender. Logo, todos os bancos terão de avaliar a capacidade de suas instituições reter os ativos em balanço, sem poder contar antecipadamente com a cessão desses créditos. Na primeira metade de 2010, a cessão de carteiras havia retomado o ritmo anterior à crise financeira mundial. Alguns bancos vinham também imprimindo ritmo elevado de geração de financiamentos, já que podiam contar com a rotação produzida por essas operações de venda de carteiras. As novas regras do Banco Central, que dobraram a exigência de capital para os financiamentos longos, focando o crédito consignado, frearam essa aceleração. Essa exigência de capitalização somou-se à de medidas administrativas, na área de normas e fiscalização bancária, como a formalização de contratos com os “pastinhas”, a exigência destes agentes se estabelecerem como pessoas jurídicas, a colocação em risco do CPF do responsável pela originação do crédito consignado, inclusive com exigência de certificação de sua capacitação profissional, a mudança do modelo de comissionamento, com a remuneração vinculada à adimplência dos devedores durante toda a vigência do contrato. Assim se evita as espertezas de certos correspondentes não bancários que procuravam girar de forma exacerbada a carteira entre diferentes bancos. A receita desenvolvimentista de política monetária, além de adotar a coordenação entre ela e a política fiscal, imprime rígido controle institucional e/ou fiscalização administrativa sobre a atuação dos bancos em criar inovação financeira fora do controle da autoridade monetária. Portanto, a política monetária do Governo Dilma se pauta por usar controles financeiros seletivos, sob critério de prioridade setorial, para influenciar a alocação do crédito. Fernando Nogueira da Costa |